O Fediverso – uma junção de “federação” e “universo” – é um conjunto de tecnologias utilizadas para hospedagem distribuída de arquivos e publicações na web, como mídias sociais, blogs e sites. A principal característica desse ambiente é a descentralização executada por protocolos de comunicação em padrão aberto. Os usuários podem criar suas identidades em qualquer uma das plataformas instaladas em diferentes servidores (chamados de “instâncias”) e, através de um único perfil, interagir e trocar informações com todos os outros perfis e instâncias dessa rede.
Pode-se considerar como um dos marcos históricos do Fediverso o ano de 2008, com o lançamento da a mídia social identi.ca, fundada por Evan Prodromou, que publicou o software GNU Social sob uma licença livre (AGPL). Além do próprio servidor do identi.ca, havia poucas outras instâncias na rede. Anos depois, em 2011 o identi.ca migrou para um novo software chamado pump.io. Nesta época várias novas instâncias do GNU Social foram criadas, assim como projetos como Friendica, Diaspora, Hubzilla, Mastodon e Pleroma integradas por protocolos como OStatus.
Em janeiro de 2016, o W3C (a principal organização de padronização da Internet), apresentou o protocolo ActivityPub com o objetivo de melhorar a interoperabilidade das plataformas. Esse protocolo passou a ser adotado em 2018 por várias plataformas do Fediverso e expandiu ainda mais a rede de servidores federados, que atualmente conta com mais de treze milhões de usuários espalhados em milhões de instâncias pelo mundo.
O Fediverso possui muitas alternativas similares às plataformas proprietárias, como a Friendica, com recursos semelhantes ao Facebook, a Pixelfed, uma plataforma de compartilhamento de imagens parecido com o Instagram, o Peertube, para distribuição de vídeos com tecnologia bittorrent (o que ajuda muito na diminuição da carga dos servidores) e o Mastodon, um microblog que atrai cada vez mais usuários do antigo Twitter (e atual X), insatisfeitos com as mudanças de políticas de uso desde que Elon Musk comprou a rede, que passou, entre outras coisas, a aceitar a presença de grupos e conteúdos extremistas.
Mas as semelhanças entre as alternativas federadas ficam só em alguns recursos de usabilidade, já que todas elas permitem tanto a cópia e modificação dos códigos-fonte quanto a comunicação entre si.
Um dos softwares que ganha mais destaque a cada dia entre os usuários das redes federadas é o Lemmy, criado por Dessalines em fevereiro de 2019, focado na criação de comunidades de fóruns de discussão que podem ser utilizados tanto por usuários Lemmy quanto de outras redes federadas. Tanto pela similaridade com a interface quanto pelas últimas mudanças nas políticas de uso, muitos usuários da plataforma Reddit tem migrado para as instâncias Lemmy.
Outro projeto importante para a aproximação de usuários comuns ao Fediverso foi a criação do plugin ActivityPub no WordPress. Criado por Matthias Pfefferle, o recurso faz com que os autores de um site ou blog se tornem perfis no Fediverso, de modo que os usuários de outras redes possam seguir seus posts. Em março de 2023 o plugin foi adquirido pela Automattic, a empresa responsável pelo WordPress, que também contratou Pfefferle para continuar desenvolvendo o plugin.
As migrações de usuários das plataformas proprietárias têm sido cada vez mais recorrentes por causa das práticas abusivas das Big Techs proprietárias das plataformas. Abusos estes, que comprometem desde a saúde mental de indivíduos até o funcionamento da democracia de países inteiros. Nos Estados Unidos, por exemplo, centenas de famílias estão processando as empresas TikTok, Google, Snap Inc. (dona do Snapchat) e Meta, (proprietária de Facebook e Instagram) por expor conscientemente crianças a conteúdos e produtos considerados prejudiciais. Diversos estudos indicam que os algoritmos projetados para gerar ciclos de recompensas frequentes nas mídias sociais alteram a sociabilidade e o desenvolvimento humano.
No Brasil, segundo relatório enviado pela Polícia Federal ao Supremo Tribunal Federal em janeiro de 2024, a empresas Google e Telegram Brasil teriam cometido “abuso de poder econômico e violações à ordem de consumo” ao atuar contra a aprovação do Projeto de Lei 2.630, conhecido como PL das Fake News, que pretende regulamentar as plataformas digitais no Brasil.
Mais do que nunca a regulamentação das Regulação das Big Techs se tornou uma pauta urgente, diante da concentração crescente de poder econômicos e dados privados nas mãos de poucas empresas globais.
É nesse contexto que as redes federadas surgem como alternativa de novos ambientes públicos online, geridos e mantidos por comunidades com interesses em comum, com tecnologia livre e transparente, que inclusive tem chamado a atenção até das próprias Big Techs, que buscam formas de dominar também esta tecnologia. A Meta pretende integrar a Threads, sua nova plataforma de mídia social, com o Fediverso. Ainda em 2024, os usuários da Threads (que já estão presentes no Instagram), poderão seguir e serem seguidos por usuários no Fediverso. Segundo funcionários da empresa, Mark Zuckerberg (dono da Meta) acredita que as redes federadas podem ser “o futuro das plataformas sociais”.
Iniciativas como a da Meta tem ativado o sinal de alerta de muitos mantenedores de instâncias no Fediverso, que temem que junto com a presença de empresas no Fediverso, aumente também o número de robôs e spams. Algumas comunidades, inclusive, já estão bloqueando a federação com domínios como o da Threads.
Com a popularização das redes federadas, também vem os desafios. Entre os principais está a manutenção das instâncias, que requerem recursos humanos especializados e infra-estrutura. Além da manutenção, existe a moderação: Quanto mais contas ativas, mais moderação necessária caso algum perfil ou post seja denunciado.
Nas esferas institucionais, temos o exemplo da União Europeia, que lançou sua instância Mastodon para que os órgãos e agências ligadas ao grupo possam divulgar novidades e dialogar com os cidadãos e a Internet Archive, uma ONG que se dedica à preservação de conteúdo digital, que lançou também a sua própria instância Mastodon.
O Brasil possui uma presença crescente no Fediverso. Os falantes em português-brasileiro estão presentes em algumas instâncias de Friendica, Peertube e, principalmente, Mastodon. O país, que já foi destaque mundial nas políticas públicas de apoio à Cultura Digital, com o apoio à iniciativas pioneiras como a criação do primeiro pod de Diáspora brasileiro, mantido pelo projeto Junta-Dados em 2013, busca retomar o protagonismo na área impulsionado por uma comunidade de ativistas, pesquisadores e gestores comprometidos com bandeiras como a Permacultura Digital.
O Fediverso foi assunto recorrente na 14ª Oficina de Inclusão Digital e Participação Social realizada em Brasília em outubro de 2023. Além de abrigar uma oficina sobre o tema ministrada por Thiago Skárnio da Associação Alquimídia com apoio de Eduardo Lima da Rede de Produtoras Colaborativas. A necessidade de políticas públicas de incentivo às redes federadas surgiu em diversos momentos em painéis e mesas sobre Inclusão, Regulação e, principalmente, Soberania Digital.
O documento final do evento, intitulado “Carta Paulo Lima da Inclusão Digital” expressou essa demanda: “É preciso incentivar organizações que mantenham plataformas federadas e distribuídas em datacenters comunitários livres, com direitos assegurados. A transformação de laboratórios de informática em centros de cultura digital e robótica, oportunizando a reorganização de espaços incorporando a criatividade da população brasileira”.
O Fediverso é uma alternativa fundamental para a redistribuição da Internet, porque proporciona autonomia aos usuários e instituições, fortalece o senso de comunidade, incentiva o desenvolvimento de softwares livres e oferece alternativa ao uso das plataformas centralizadas de mídias sociais.
As tecnologias que compõem o Fediverso permitem a criação de instâncias para associações, sindicatos, partidos, empresas, governos, escolas e qualquer outro tipo de grupo social, possibilitando uma diversidade imensa de usos e de gestão de dados.
Texto: Thiago Skárnio, Coordenador da Associação Cultural Alquimídia.
Colaboração: Carlos Luna, Fabs Balvedi e Eduardo Lima, da Rede Nacional de Produtoras Culturais Colaborativas.
Artigo escrito originalmente para o livro da 14ª Oficina de Inclusão Digital e Participação Social.