No atual estágio de organização humana chamado “Sociedade da Informação”, a livre circulação dos bens culturais fomenta a diversidade, que conseqüentemente se torna não só ambiente estuário dos direitos da igualdade e liberdade de expressão como uma das bases do exercício pleno da cidadania.
Mas como isto será possível em um mundo em que a propriedade dos meios de comunicação está cada vez mais concentrada?
Na sociedade midializada em que vivemos, é necessário que todo o indivíduo não só tenha o acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação, como também a sua compreensão.
Segundo a jornalista e professora do curso de jornalismo da UFSC, Valci Zuculoto, “a democratização da comunicação com a regionalização da produção, entre outras ações, é uma questão determinante para a reconstrução da identidade nacional a partir da regionalização cultural, com efetiva expressão da pluralidade e diversidade da cultura brasileira”.
A comunidade cultural brasileira deve estar atenta ao debate da comunicação no Brasil, pois a sua própria identidade depende dos rumos que o setor está prestes a tomar no país.
UMA QUESTÃO ESTRATÉGICA
O ativismo pela democratização da Comunicação no Brasil começou como resposta à repressão e ao uso da mídia como ferramenta estratégica do regime ditatorial imposto nos anos 60. As agências reguladoras e o Ministério das Comunicações surgiram neste período, o que provou reflexos até os dias de hoje, como o fato de que a maioria das emissoras de Rádio e TV estão nas mãos de oligarquias, políticos e líderes religiosos. Muitas vezes, as três coisas ao mesmo tempo.
Segundo informações do Epcom – Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação, seis redes privadas nacionais (TVs, rádios e jornais) controlam virtualmente tudo o que se vê, escuta e lê no país, o que ameaça a diversidade cultural nacional. A maior parte da produção brasileira se concentra no eixo Rio-São Paulo, que por sua vez replica conteúdos e valores de apenas um bairro norte-americano: Hollywood.
Um estudo de 2003, do Fórum de Acompanhamento de Mídia da Assembleia Legislativa de Santa Catarina e da Campanha “Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania” apontou, por exemplo, que o espaço para as produções locais na TV aberta em Santa Catarina está entre 5% e 23% no máximo. O que você acha mais importante saber em quase 80% do que é veiculado, notícias da sua cidade ou quem é o último namorado da Madona?
A TV está presente em 90% dos domicílios brasileiros, sendo em sua maior parte a única fonte de informação, ocupando inclusive o espaço das relações sociais, o que o escritor Guy Debord em seu texto A sociedade do espetáculo alerta: “toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se afastou numa representação”.
A psicóloga Rachel Moreno, da Campanha Ética na TV explica que a manutenção desta lógica está ligada à formação da subjetividade das pessoas, influenciadas pela repetição de valores e ideias constantes ma mídia, “forma-se o super ego e ele nos controla”.
A área das comunicações no país é possivelmente a mais carente de regulamentação, Rachel Bragatto, Membro do Coletivo Intervozes e da equipe do Pontão Kuai Tema aponta que “Regulamentar este princípio de forma progressista é garantir espaço para muitos produtores e produtoras que são diariamente escanteados e cujo trabalho não alcança visibilidade pública. Significa alterarmos a relação de forças e darmos voz à outras produções, a atores que tem o que dizer mas não conseguem veicular suas manifestações”.
Garantir mais espaço e acesso aos meios de comunicação no Brasil é garantir a difusão da variedade de idéias e saberes, o que beneficia a cultura diretamente.
Só que para a sociedade organizada influir na política pública é necessário uma grande mobilização e articulação, o que, infelizmente não é tão simples. As pautas da cultura e da comunicação sempre ganharam ao longo da história pouca ou nenhuma prioridade nas agendas sociais. Tanto por falta de visão dos atores sociais do 3º Setor quanto por uma cultura de disputa ideológica-partidária nos movimentos sociais, pois a Comunicação e a Cultura são temas universais que obrigam até os antagônicos a se falarem.
José Sóter, coordenador da Abraço – Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária constata que “temos grandes entidades, com recursos, que não investem em comunicação” e continua “há que se ter clareza que para democratizar os meios é preciso conteúdo de qualidade, e isso não se dá de graça, necessita investimento. Caso contrário, perderemos a guerra da comunicação”.
PLURALIDADE
Para Celso Schröder, coordenador do FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação “estamos lutando para constituir a possibilidade de todos terem acesso à comunicação. Essa é a diferencia entre a minha militância partidária e a militância pela democratização da comunicação. Se não for assim, teremos partidos, igrejas e pequenos grupos falando as suas verdades”.
O jornalista e sociólogo Laurindo Lalo Leal Filho, autor do livro “A melhor TV do mundo: o modelo britânico de televisão” trata deste princípio pluralista nas comunicações pelo conceito da “ética da abrangência”, desenvolvido pelo professor de Jay Blumler, da Universidade de Leeds, na Inglaterra. A “ética da abrangência” é procurar atender às expectativas de todo o tipo de público existente no raio de sua atuação.
O modelo britânico de TV foi por muito tempo um dos modelos mais referenciados do mundo, justamente pela sua qualidade e diversidade de conteúdo.
O presidente da Fenaj – Federação Nacional dos Jornalistas, Sérgio Murilo, lembra que “quando se fala em conteúdo, se fala em cultura. É importante a presença dos atores neste debate”, no caso, o da democratização da comunicação.
Um exemplo claro de que os avanços na área da comunicação beneficiam diretamente a cultura foi uma das principais conquistas do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação – FNDC: Interceder na lei de regulamentação da TV a cabo, derrubando a portaria 250 e criando a Lei no 8.977, a “Lei do Cabo”, o que propiciou o surgimento das Tvs Comunitárias, Legislativas e outras de acesso público.
As emissoras comunitárias (tanto as rádios quanto as Tvs) desempenham um importante papel enquanto espaços democráticos de difusão da cultura local. Não é atoa que as Rádios Comunitárias, sendo a base mais capilarizada do movimento pela democratização das comunicações no Brasil, são as emissoras mais perseguidas por corporações e governos autoritários.
A complementaridade entre as áreas da Cultura e Comunicação é tão importante que esteve na pauta do Ministério da Cultura nas últimas duas gestões.
Através de iniciativas como os Pontos de Cultura, Casa Brasil, apoio ao Software Livre e a promoção do debate sobre a TV Pública e a flexibilização do direito autoral no Brasil o Minc produziu mais políticas públicas de comunicação do que o próprio Ministério das Comunicações.
AS CONFERÊNCIAS
Um exemplo da importância estratégica da comunicação para a cultura foi a decisão do ministério de incluir um eixo de discussão e propostas só para o tema “Comunicação é Cultura” na 1ª Conferência Nacional de Cultura, ocorrida em Brasília (2005).
A comunicação foi a questão mais valorada pelos 53.507 participantes do processo, sendo registrado no Relatório Analítico da CNC “os meios modernos de comunicação são os veículos mais presentes na transmissão dos valores culturais e devem ser comprometidos com a irradiação da cultura na diversidade das expressões e manifestações culturais e das diferentes regiões do País” e continua “a Conferência teve esta consciência e agregou o tema e à Lei Geral de Comunicação, que nos cabe consagrar, os atributos da descentralização e regionalização, da universalização, da democratização, do fortalecimento dos meios alternativos e comunitários, da participação da sociedade civil nos processos de concessão de canais ou ondas eletromagnéticas de comunicação”.
O tema ainda marcou boa parte das 30 prioridades para a cultura, elencadas na CNC, para integrarem o Plano Nacional de Cultura.
Em 2010 vai acontecer a 2ª Conferência Nacional de Cultura e já consta em seu texto-base o sub-eixo “Cultura, Comunicação e Cidadania” com as palavras “a produção, difusão e acesso às informações são requisitos básicos para o exercício das liberdades civis, políticas, econômicas, sociais e culturais. O monopólio dos meios de comunicação (mídias) representa uma ameaça à democracia e aos direitos humanos, principalmente no Brasil, onde a televisão e o rádio são os equipamentos de produção e distribuição de bens simbólicos mais disseminados, e por isso cumprem função relevante na vida cultural”.
Felizmente a pauta da comunicação terá seu próprio espaço em dezembro de 2009, quando acontecerá a 1ª Conferência Nacional de Comunicação – Confecom, com o objetivo de discutir e elaborar propostas de Políticas Públicas para a área das comunicações no Brasil. As articulações para as Conferências Estaduais, Regionais e Municipais já começaram pelo país e os produtores culturais devem, a exemplo do que os ativistas da comunicação fizeram na Conferência de Cultura, participar e levar as suas pautas para este fórum.
Temas como a necessidade de mediação da esfera pública entre os interesse das Teles e dos Radiodifusores, a formação de público, os novos modelos de negócios propiciados pela tecnologia, a anistia aos comunicadores populares e a regionalização da produção de conteúdo são tanto de interesse dos comunicadores quanto dos produtores culturais.
Seguindo a política transversal do Minc, que agrega em suas ações as demandas sociais, culturais e comunicacionais, os Pontos de Cultura tem se mostrado elos importantes para a integração entre os meios artísticos e midiáticos. Além dos Pontos, os articuladores da Ação Cultura Digital e os Pontões de Cultura estão participando ativamente do processo.
No sul do Brasil por exemplo, os Pontões Kuai Tema, Soy Loco, Minuano, Diplô na Rede e Projeto Ganesha fornecem, inclusive, estrutura logística para algumas atividades das comissões pró-conferência.
TUDO PELO DIGITAL
O tema da Confecom é “Comunicação: meios para a construção de direitos e de cidadania na era digital”. O que cria mais um link com a Cultura, pois “exercer direitos e cidadania na era digital” nada mais é do que fazer Cultura Digital.
A Cultura Digital são as relações humanas mediadas por processos e dispositivos digitais. O que nos remete a outro espaço importante que precisa ser ocupado pelos militantes, ativistas, produtores e consumidores de cultura e informação: O Fórum Brasileiro de Cultura Digital.
Segundo a definição do projeto, “o Fórum da Cultura Digital Brasileira, é um processo que pretende constituir uma rede permanente de formulação e construção de consensos por meio da participação de atores governamentais, estatais, da sociedade civil e do mercado. Esse Fórum será marcado por atividades presenciais, mas principalmente pela sua realização no ambiente virtual (www.culturadigital.br). Com duração de um ano, o processo deve apresentar novas diretrizes para o acesso, a produção, a difusão, a preservação e a livre circulação da cultura na era digital”.
A matéria “Direitos autorais aquecem discussões do Fórum de Música para Baixar, no 10º FISL” de Fabiane Berlese, do Pontão Ganesha recebeu um comentário assinado por Eduardo Gonçalves Dias que pontua muito bem a relação entre Cultura, Cultura Digital e Comunicação: “Bem cultural não é bem de consumo! Portanto, não deve seguir a legislação de comércio. O mercado agora que se vire com suas regras idiotas, pois ninguém segurará a revolução cultural na qual estamos prestes a presenciar… Como produtor cultural, acho a pirataria interessante, porque como artista, o que desejo é comunicar, antes de comercializar”.
A cultura digital é a cultura da comunicação.
Por Thiago Skárnio
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